Na estrada com os Rolling Stones

5 de January de 2022
Estou no meu antigo apartamento em São Paulo, nos idos dos anos sessenta, curtindo música deitado numa almofada gigante. O toca-discos vermelho possuí uma lanterna colorida no lugar da agulha.
O telefone toca e é o meu tio Carlão, o comentarista esportivo das multidões, dizendo que os Rolling Stones estão no Brasil e que ele foi contratado para ser o motorista da turnê que farão na Argentina.
Meu tio disse que me indicou pra eu ser roadie da tour, que eles aprovaram meu currículo e em meia hora passam pra me pegar.
Fico maluco com o convite e topo na hora. Preparo a mala com algumas roupas, pego umas letras que escrevi pra mostrar pra eles e levo um pacote de pó de café produzido no meu quintal.
Olho pra janela do apartamento e vejo uma moça na minha varanda, tomo um baita susto. Ela chega bem perto e diz que quer ir junto na turnê, eu tento responder alguma coisa e meu tio toca o interfone: – Estamos atrasados Tatá!
Saímos correndo e a moça simplesmente desaparece no corredor do prédio.
Entro numa Van estilo Kombi muito bonita, vermelha e branca, dentro é bem aconchegante e os bancos são vermelhos.
O Brian Jones é o único que conversa comigo durante a viagem, ele está com a Anita Pallenberg, que também é bem simpática comigo.
Os outros Stones estão todos com fones de ouvido. Eu penso comigo, na década de sessenta não tinha Iphone ainda, mas tinha fone.
Pegamos uma estrada linda cercada por mata atlântica dos dois lados.
Perto da divisa do Brasil com a Argentina, a rodovia que era duplicada, se torna simples e os acostamentos se transformam em dois caudalosos rios.
Começa a nevar e a Van Kombi vai derrapando levemente, todo mundo atento lá dentro, mas o tio Carlão dirige bem demais sem chegar perto dos rios.
A cena é deslumbrante e assustadora, estamos numa descida que não acaba mais.
Começa a amanhecer e lá no fundo avistamos uma planície com a pequena cidade aonde vai rolar o show.
Chegamos na simpática cidade que se parece muito com Monte Verde-MG, ruas de terra, casinhas de tijolo a vista e chaminés coloridas.
Paramos numa padaria bem antiga. Descemos do carro e todos saem de dentro padoca pra saudar meu Tio que já tinha passado por lá numa turnê anterior.
Uma família inteira trabalha na padaria e todos tem a cara do vocalista do Primal Scream, o Bobby Gillespie, só que com diferentes idades, todos são muito simpáticos, o mais velho diz que vamos ficar hospedados lá.
Eles conversam animadamente com o meu tio e começam a tomar doses de cachaças, uma atrás da outra. Aproveito para tomar uma também.
A família Gillespie, cuida da padaria pela manhã, de tarde eles abrem um pub acoplado a um pequeno ginásio onde rolam os shows. Eles cuidam de tudo com tranquilidade e nos convidam para conhecermos as acomodações antes de montar e passar o som.
Finalmente a banda desce da Van e finalmente os outros Stones começam a conversar comigo.
Estou um pouco preocupado. Será a minha estreia como roadie deles e não quero falhar, quero fazer a turnê inteira com os Stones e conviver o máximo com eles. Não quero ser demitido.
O Brian Jones chega com umas doses da aguardente, brindamos e ele também me dá uma medalhinha de São Jorge, diz que é pra dar sorte.
Guardo ela no bolso com carinho, estamos na padaria, a banda começa a pedir rodadas e rodadas de cervejas, eles querem conhecer todas as marcas locais. Meu tio indica uma cerveja artesanal produzida em Monte Alegre do Sul, interior de São Paulo.
Fico curioso pra conhecer o ginásio. Entro numa sala imensa que é usada para convenções e reuniões da comunidade local.
Fico com vontade de tomar um banho, encontro um banheiro imenso de ladrilhos amarelo mostarda com muitos shampoos e uns sabonetes

da hora, bem coloridos.
Tiro a roupa e entro no chuveiro, fico um tempão curtindo o banho quando percebo que não levei minha mala com a toalha junto.
Fico aflito mas encontro uma toalha vermelha do lado do box, me enxugo e coloco a mesma roupa.
Saio do banheiro feliz da vida cantando uma canção antiga.
Avisto um bando de cães gigantes na minha frente, eles são de boas, ficam me rodeando durante um tempo e começam a me seguir no trajeto pro ginásio, são cães perdigueiros velhos que também se parecem com o Bobby Gillespie.
Encontro a Anita Pallenberg na sala de convenções com uma cartinha na mão. Ela e o Brian me convidaram para um Ménage depois do show. Eu topo na hora.
Ela me passa outra medalhinha de são Jorge e diz que pra eu entregar para um amigo nosso quando voltarmos pra sampa. Fico imaginando que amigo em comum é esse que eu não conheço.
Olho pro relógio de parede e vejo que está na hora do show. Saio correndo pro ginásio e tomo uma bronca homérica do Carlão. Porra Tatá! Os Rolling Stones já estão no palco.
Vou voando pro lugar da apresentação e fico do lado palco, o coração dispara, o Keith Richards acena pra mim amistosamente. Aparentemente está tudo bem.
O ginásio está lotado. A garotada faz um barulho infernal e a família Gillespie está realizada.
O Mick Jagger está super bem vestido, cantando sem dançar, com muito estilo. Acho meio estranho, mas como é o início do show, isso ainda pode mudar.
Eles tocam “Heart Of Stone”, “Play With Fire”, Gotta Get Away” e uma inédita que eu não conheço. A canção é deslumbrante e fico totalmente envolvido por ela e pela performance dos Stones
Com Charlie Whatts na batera, Bill Wyman no baixo, Keith Richards na guitarra, Brian Jones com uma guitarra e um pequeno sintetizador e Mick Jagger nos vocais e maracas.
A Anita cola do meu lado e diz que é pra eu ir direto pro quarto deles depois que eu organizar as coisas no palco quando o show terminar.
Os Stones tocam “I Can’t Get No (Satisfaction)” e o público invade o palco. A galera começa a dançar loucamente enquanto o Carlão e o Gillespie mais velho contabilizam a grana da bilheteria.
Sonho obtido na madrugada do dia 22 de mail de 2011

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